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Filosofia da Ciência – A Religião
Filosofia da Ciência – A Religião


Filosofia da Ciência Espírita – I – A Religião

Matheus Artioli Firmino

O Espiritismo é considerado por alguns como mais uma filosofia  espiritualista. Outros já o enquadram como uma ciência rigorosa, empírica, não  apresentando nenhum compromisso com princípios metafísicos. Outras correntes  admitem um caráter eminente-mente religioso e moral, sem reflexões filosóficas  ou teorias científicas. Finalmente, há aqueles que o classificam como mais uma  técnica de cura ou terapêutica de medicina alternativa.

O que é realmente o Espiritismo ? Emmanuel ensina-nos que encontramos um  tríplice aspecto, intrínseco em cada conceito espírita: ciência, filosofia,  religião [1]. Assim ele divide os tópicos de seu livro O Consolador. Mas o que  significa cada um desses termos e quais são as implicações desse entendimento?  Vale a pena pensar nisso? Sabemos que sim, para descobrirmos os objetivos e  método em que se formou a Doutrina Espírita. E, para compreendermos melhor,  estudaremos nesta e nas próximas páginas esses três conceitos.

Na verdade, desde a pré-história humana, quando o homem ainda não  desenvolvera a escrita, percebemos a busca incessante da felicidade. E, para  chegar à felicidade, as experiências terrenas sempre levam a um questionamento  sobre a realidade e as causas dos fenômenos que nos envolvem.

Entretanto, segundo Allan Kardec, "sendo o progresso uma condição da natureza  humana, ninguém tem o poder de se opor a ele. É uma força viva que as más leis  podem retardar, mas não asfixiar."[2] Vemos o ser primitivo inteiramente  preocupado com a satisfação de seus interesses materiais. Nada podendo ainda  conceber fora do mundo visível e tangível, imagina toda a realidade  constituindo-se dos seres e das coisas com que se deparam. Mais tarde, torna-se  necessário, para entender a si próprio, a compreensão do abstrato, para então,  aos poucos, adentrar na essência espiritual da vida: a Verdade Real.[3]

Nesse sentido, diversas formas (métodos) de obter o conhecimento da Verdade a  respeito de numerosos assuntos (objetos) foram construídos pela sociedade, em  todos os períodos da humanidade. Não pretendemos aqui, definir cada método, mas  os estudiosos do saber humano classificam o Conhecimento em dois grande grupos:  o não-racional e o racional. Toda obtenção passiva, exterior, sem análise,  pertence ao primeiro grupo: as diferentes superstições, as ideologias e, como  veremos a seguir, as religiões. Por outro lado, todo conhecimento elaborado,  refletido, pertence ao segundo grupo: a filosofia e a ciência.

Isso não implica dizer que a informação obtida é verdadeira ou falsa. A  Verdade pode estar em qualquer uma dessas formas, mas elas se diferem pelo  método, pelo meio de atingi-la. Muitas vezes, a conhecimento racional erra  enquanto o não-racional detêm a veracidade.

A primeira grande organização do saber foram as religiões. Sabemos que os  objetos (os assuntos) principais de qualquer religião são a Existência de Deus e  a Imortalidade da Alma. Derivada do verbo latino "religare", a religião  representa um laço de união entre a criatura e o Criador [4]. Por que, então, é  classificada, de um modo geral, como uma forma não-racional do saber, até mesmo  como uma superstição melhorada? Porque a esmagadora maioria desenvolve-se  segundo o método da Revelação.

Revelar, do latim "revelare", cuja raiz é "velum", véu, significa  literalmente "sair de sob o véu", figuradamente, descobrir, fazer conhecer uma  coisa secreta ou desconhecida. No sentido especial da fé religiosa, a revelação  é sempre feita a homens privilegiados, designados como profetas ou messias, isto  é, enviados, missionários, incumbidos de transmiti-la aos homens. Considerada  sob esse ponto de vista, a revelação implica passividade absoluta; é aceita sem  controle, sem exame, sem discussão. A submissão faz aceitar "de fora para  dentro"[5].

Notemos um exemplo. As primeiras civilizações desenvolvidas no transcurso da  história, as Sociedades Hidráulicas, apoiavam-se totalmente na religião. Nessas  organizações, a distinção social começou a se fazer notar quando a luta pela  posse das áreas cultiváveis em torno de rios (Nilo, Tigres, Eufrates, Jordão,  etc.) levou a se defrontarem os camponeses, na posição de possuidores da força  de trabalho, e os proprietários patriarcais das terras, que delas se apoderaram  e as mantinham invocando a proteção dos deuses e dos sacerdotes. Pelo "respeito"  ao mais velho (patriarca) ou mais forte, os camponeses trabalhavam  exaustivamente, organizavam exércitos, executavam ordens, mas não eram  considerados escravos [6].

Desse modo, enquanto uma grande massa de trabalhadores produziam alimentos  para a sociedade, os sacerdotes, a nobreza e o governante tinham mais tempo para  estudar os fenômenos naturais, desenvolvendo a astrologia, a matemática, a  religião, etc. Um fato da natureza de especial interesse nesse momento foi a  mediunidade ostensiva, havendo intensas comunicações com os "mortos". Espíritos  familiares instruíam o clero de forma característica para cada povo. Os  "estudiosos" interpretavam segundo suas idéias necessariamente limitada,  restrita à mentalidade da época, embutindo ilusões e imaginações, corrompendo a  verdade.

Um exemplo clássico disso, foi o surgimento do princípio da Metempsicose.  Essa doutrina, oriunda dos egípcios e, posteriormente, na Grécia Antiga  (Pitágoras), aceita a Lei da Reencarnação, mas professa a possibilidade de uma  alma humana renascer num corpo de um animal inferior, retrocesso na árvore  evolutiva. Sabemos, porém, que a reencarnação, apesar de ser bem estabelecida  como verdade inabalável, tem como finalidade o progresso sem retorno. Uma  provável origem dessa crença na Metempsicose, foi a aparição de Espíritos  desencarnados, tão grosseiros e inferiores, que plasmaram no corpo espiritual  (perispírito) suas idéias bestiais, aparecendo sob a forma temporária de  animais. A interpretação da natureza animal desses seres podem ter levado à  Metempsicose ou, indo mais além, a crença em deuses zoomórficos (forma total de  animais) ou antropozoomórficos (com forma semi-humana e semi-animal) [7].

Outro fato digno de nota é a questão da Ressurreição, professada inicialmente  pelos princípios hebraicos, no entanto aceita largamente por várias doutrinas  cristãs. Está bem claro que um corpo morto não pode retomar à vida orgânica  original, mas entra no ciclo inviolável da natureza de transformações. Além da  reencarnação, retorno à vida orgânica em um novo corpo, pode ter gerado  confusão, outro fato provavelmente levou à idéia de ressurreição. Um Espírito  desencarnado, principalmente aqueles cujo desenlace da matéria foi recente,  apresenta-se geralmente com o perispírito da mesma forma do último corpo. Uma  aparição aos sacerdotes nessa forma, fez surgir uma conclusão precipitada, de  que a pessoa ainda estava ainda viva com o mesmo corpo [2] .

E de todos os tempos, os "reveladores" da verdade, ainda extremamente  encoberta por fantasias, sempre dependentes de médiuns, sob nomes diversos, como  sacerdote, rabino, padre, píton, profeta, pastor, pajé, lama, monge, etc.,  arrogavam-se o privilégio de relacionar-se com a Divindade. O servos submissos,  suportando horas de trabalho árduo, esperavam ansiosos receber "os recados  confortadores dos deuses", pela voz de seus superiores. Por isso, entendemos as  religiões detendo uma razão de ser providencial, apropriadas ao tempo e ao meio,  ao gênio particular dos povos. Apesar do erro dessas doutrinas, não deixaram de  agitar os espíritos e, mesmo por isso, de semear os germens do progresso, que  mais tarde haviam de alastrar-se ou se alastrarão à luz brilhante do  cristianismo [5].

No entanto, esses reveladores, engajados em cargos políticos, transformaram a  religião em instrumento de dominação; com ambições secundárias sociais, de fama,  têm explorado a credulidade em proveito de seu orgulho, da sua cupidez ou de sua  indolência e acham mais cômodo viver à custa dos iludidos [5]. Além das  interpretações surgirem erradas por precipitação, alguns conceitos foram  cortados ou incluídos propositalmente. A crença no sobrenatural e no poder  milagroso possuído pela nobreza e clero, foi um artifício psicológico de  controle que, em termos de eficiência, é muito mais interessante que um exército  gigantesco. Lembremos que a mediunidade é uma faculdade natural da criatura  humana, variando em intensidade, mas não escolhe a classe social em que  desabrocha. Por isso perguntamos, quantos médiuns ostensivos que apareceram na  população mais carente, com expressiva percepção da vida futura, não foram  ignorados, discriminados, condenados ou mortos?

Nessa forma de religião passiva, não é nem um pouco interessante que a  população pense, conheça ou saiba usar os fenômenos. Para os governantes, o  comodismo das massas é o melhor meio de atingir os interesses pessoais. Os  conceitos devem, então, ser intocáveis, como dogmas. Daí a necessidade de  surgirem outros métodos para atingir a Verdade. Emergiram pensadores  desafiadores da religião, não por rejeitarem seus conceitos, mas para produzirem  o próprio conhecimento, mesmo errando, porém com a possibilidade de discutir e  usufruir o direito da Liberdade.

Toda essa busca levará o homem a entender que religião, crença, rótulo, sem  religiosidade, isto é, sem vivência dos princípios aceitos, estaciona e detém em  alguma parte do processo em estudo.

Portanto, "a Religião é sempre a face augusta e soberana da Verdade; porém,  na inquietação que lhes caracteriza a existência na Terra, os homens se  dividiram em numerosas religiões, como se a fé também pudesse ter fronteiras, à  semelhança de pátrias materiais, tantas vezes mergulhadas no egoísmo e na  ambição de seus filhos."[1]